Artigo – Tiradentes, bode expiatório da Inconfidência

Barros Alves

A historiografia assentou que Tiradentes foi o grande herói da Inconfidência Mineira. A tragédia do enforcado e seu esquartejamento serviram nos anais da República para, de par com fazê-lo independentista, republicano, demonizar o governo da Coroa Portuguesa. É tão certo que Portugal estava a explorar a colônia do Brasil com seus impostos escorchantes, como também o fazia a Igreja paralelamente cobrando dos súditos espórtulas milionárias, tudo isso de conluio com uma elite econômica, alguns nomes mesmo pertencentes aos quadros de governo e outros intentando participar dos privilégios da coroa. Joaquim José da Silva Xavier, um simples alferes, patente que equivaleria hoje a segundo tenente, não é figura de prol do movimento iniciado em 1888 e que teve o ápice com a devassa de 1789. Iluminado pelas ideias de liberdade, depois de uma conversa com o Dr. José Álvares Maciel, no Rio de Janeiro, o jovem alferes, ao retornar para Minas Gerais, entregou-se de corpo e alma a um movimento que já estava em curso, liderado por figuras importantes da comunidade como os poetas e advogados Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa, Inácio de Alvarenga Peixoto, protegido do Marquês de Pombal, ouvidor da Comarca do rio das Mortes, na vila de São José Del Rey, hoje Tiradentes, e proprietário de lavras auríferas, como muitos outros conspiradores; o coronel Domingos de Abreu Vieira, o Padre Luís da silva de Oliveira Rolim, fazendeiro muito relacionado no Norte de Minas; e o Padre Carlos de Toledo, vigário de São João del Rey, detentor de grande influência no Oeste de Minas; e até o Tenente-coronel Freire de Andrade, comandante da força pública, orientado a como se comportar em face da derrama, a cobrança de impostos exorbitantes, móvel originário da revolta. A estas alturas, o alferes Joaquim José, era um entusiasmado propagandista e militante da causa, nada mais do que isso. Tinha boas informações, porque era maçom e a maçonaria teve importante papel na Inconfidência. Por pertinente, vale lembrar a informação de Augusto de Lima Júnior sobre Tiradentes: “Iniciado na Maçonaria, tomava parte nas reuniões desta, no Rio de Janeiro, e pregava as suas doutrinas onde quer que se encontrasse.” (História da Inconfidência Mineira, pág. 106). E Pedro Calmon: “A Maçonaria teve a maior parte das responsabilidades naqueles acontecimentos. Foi o sigilo maçônico a alma da revolução desde 1789.” (História Social do Brasil, vol. I, pág. 52). Sem esquecer Gustavo Barroso: “Os movimentos de Minas em 1789(…) foram tratados nos seios das associações secretas e obedeceram à mesma orientação brasileira…” Movimentos que contaram com “a orientação direta e a influência dos centros emancipadores da América espanhola, com o auxílio e simpatia dos Estados Unidos.” (História Secreta do Brasil, vol. I, pág. 258) A esse propósito, lemos no cap. XX de “O Príncipe”, de Maquiavel: “Uma vez que os súditos se levantam em armas contra os monarca, nunca faltarão estrangeiros para assisti-los.”

Lembre-se que foi numa dessas reuniões maçônicas que Joaquim José conheceu o Dr. Álvares Maciel, que havia chegado da Europa com a mente contaminada pelos ideais da Revolução Francesa. Na oportunidade, “contou-lhe detalhadamente o encontro que o brasileiro José Joaquim de Maia teve com o embaixador americano na França, Thomas Jefferson, pedindo o auxílio da América do Norte num movimento de rebelião, que os seus patrícios organizavam no Rio de Janeiro, dos quais ele era o emissário junto daquele estadista.” José Caetano Alves Neves (Inconfidência Mineira, págs. 84, 85) registra que Jefferson se propôs a dar todo o apoio a uma revolta, menos dinheiro, porque, se o Brasil “mandava para fora o seu ouro em ‘quintos’ é porque tinha em abundância.” E entre os conselhos que deu ao conspirador brasileiro, disse que “não fizessem a revolução na Bahia ou no Rio de Janeiro, pois não era conveniente um movimento de rebelião em porto aberto…” Essa conversa com o Dr. Maciel foi o estopim na alma do alferes, e que avivou-lhe “a ideia da liberdade nacional, a qual tornou-se dali em diante o seu sonho dourado, a visão de sua alma.” Ao que tudo indica o amor da pátria transformou-se em Tiradentes em fanatismo que o levou à imprudência na pregação. Disto se tem ideia pelos depoimentos dos seus colegas de infortúnio: “Dizia o tenente-coronel Francisco de Paula que Tiradentes falava tão inflamado na matéria que chegava a chorar”. Afirma J. Norberto de Sousa e Silva: “Queixaram-se os conjurados de que Tiradentes levara a propaganda às tabernas e casas de meretrizes, dando por paus e por pedras, como um doido varrido…” (História da Conjuração Mineira, pág. 238).

É bom lembrarmos ainda que o mais importante historiador brasileiro de todos os tempos, por assim dizer, o nosso Capistrano de Abreu, passou ao largo da Inconfidência Mineira, não lhe dando o status de revolução que para outros é por demais apreciável. Tiradentes sempre foi para Capistrano uma figura de somenos importância no contexto da conjuração mineira de 1789 e, consequentemente, na historiografia brasileira. Com efeito, há de se levar em conta o fato de que o que foi mais duramente apenado foi Tiradentes, o rebelde fanático e o menos aquinhoado de todos em termos financeiros. Alguns líderes foram apenados com o exílio, onde chegaram a fazer fortuna, como é o caso de Tomás Antônio Gonzaga, que já pertencia à elite local. Cláudio Manuel da Costa, o home mais erudito de Minas Gerais, naquele tempo, e que teria um depoimento bombástico capaz de mudar o rumo das investigações armadas pelo governador Visconde de Barbacena, enforcou-se (ou foi assassinado) numa cela improvisada em que se encontrava preso na casa de João Rodrigues de Macedo. Todas as acusações recaíram sobre Tiradentes e em depoimento de 18 de janeiro de 1790, submetido a mais um interrogatório, ele não apenas aceitou as imputações e, como observa Cristina Leminski, “para surpresa dos juízes, Tiradentes tomou para si a maior parcela da culpa, dizendo ter sozinho dado origem e concebido todo o plano. A declaração de Tiradentes mudou o rumo do processo.” (Tiradentes e a Conspiração de Minas, pág. 67)
Vale citar o professor João Pinto Furtado, da Universidade Federal de Minas Gerais: “De fato, se iluminado a partir de seus elementos mais estruturais cruzados com os depoimentos, ambos relidos a partir de um trabalho mais refinado com a temporalidade, o movimento mineiro de 1788-89, poderia apresentar também um forte conteúdo de recuperação de privilégios e posições de poder, bem como de crítica apenas a alguns dos excessos da Coroa como praticados por seus prepostos(…) Nesse sentido, é lícito afirmar que homens como Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, o Cônego Vieira e Alvarenga Peixoto provavelmente queriam a reforma do sistema de poder nas Minas, mas antes no que se refere à troca de alguns nomes e algumas funções do que em seus pilares e fundamentos.” (Inconfidências e conjurações no Brasil. Notas para um debate historiográfico em torno dos movimentos do último quartel do século XVIII, in Coleção Brasil Colonial 1720-1821, vol. 3, Editora Civilização Brasileira, pág. 667).
Enfim, diante da imensa bibliografia sobre a Inconfidência Mineira, vê-se claramente que Tiradentes foi uma figura menor na Conspiração. Por um lado ele se alteou, circunstancialmente. Por ser o de menor status econômico e social foi transformado em bode expiatório. Por outro, consciente de que não se livraria da pena máxima, teve uma larga visão de futuro e optou por sair bem na foto da história, assumindo todas as acusações. Neste quesito ele estava correto. A República, como dito, o ajudou sobremaneira.

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